sábado, 24 de agosto de 2013

Instantâneos da primeira Primavera Brasileira I - "Viva o Artigo 112 do Código Criminal"

No dia 4 de maio de 1834, quase um mês antes da eclosão de uma revolta violenta em Cuiabá, cerca de 200 pessoas se reuniram na praça matriz da cidade para protestar contra a nomeação de um funcionário pelo governo (resumidamente, por ser ele português e por ser acusado de corrupção e incompetência, sendo a função do cargo cuidar do dinheiro público). Até aí, nada de muito surpreendente, apesar de manifestações desse tipo serem pouco frequentes até então. O que surpreende é o grito de protesto que foi entoado na praça:

"Viva o Artigo 112 do Código Criminal!", gritavam os manifestantes.

Quando li isso fiquei intrigado.

Como assim manifestantes dão vivas a um artigo do Código Criminal? Como assim???

Bom, eis que eu vou para o Código Criminal, que acabava de ser aprovado naquele momento, e vejo que raios é esse artigo 112:

"Título 4 - Dos crimes contra a segurança interna do Império, e pública tranquilidade.
Capítulo 3 - Sedição [um tipo de crime político maior que o motim e menor que a rebelião]
Artigo 112 - Não se julgará sedição o ajuntamento do povo desarmado, em ordem, para o fim de representar as injustiças e vexações, e o mau procedimento dos empregados públicos"

Era a primeira vez na história do Brasil que uma lei dizia claramente que não era crime ocupar as ruas para se manifestar. O que aquelas pessoas estavam fazendo era afirmar seu direito legal a estar ali, desde que "em ordem". Mas a coisa não parou por aí e em menos de um mês o tal funcionário e dezenas de outros figurões de Cuiabá estariam mortos e seus comércios saqueados e destruídos. A manifestação não ficou "em ordem" e virou revolta violenta.

Muitos dos que deram vivas ao artigo 112 acabaram figurando entre as primeiras pessoas a serem julgadas e condenadas pelos demais artigos do título 4 do código - o dos crimes políticos. Um julgamento cheio de irregularidades e ao qual voltarei em outro momento. Em seguida seria a vez dos rebeldes da Cabanagem, da guerra dos Farrapos, da Sabinada, da Balaiada, etc. Só na Cabanagem fala-se em 40 mil mortos e é comprovado que cerca de 2 mil morreram apenas nos navios-prisão, de fome, sede, doença, pancada, enquanto aguardavam julgamento. Eles sequer tinham uma acusação formalizada, eram presos pelo "crime" de "ser cabano", ou seja, de ter traços indígenas e ser pobre.


Duvido que depois da década de 1840 outro ajuntamento de populares gritasse na rua qualquer saudação ao código criminal. O artigo 112 só parece libertário antes da aplicação do código, longe da realidade concreta, da exceção como regra.

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